S. Miguel do Rio Torto: Actualidade e História

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Natural de S. Miguel do Rio Torto (Abrantes). Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Estágio Profissional no Arquivo Histórico do Concelho de Abrantes. Pós-graduado em Ciências Documentais (Arquivo). Organizei e Inventariou o Arquivo da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Mestre em História - Museologia pela Universidade de Coimbra. Interesses de Investigação: Maçonaria, História da vida estudantil, História da Universidade, Patrimónios material e imaterial da vida estudantil. Museu Académico de Coimbra. Autor de vários livros como as biografias de Lucas Junot, Dr. Joaquim Isabelinha e de instituições como o Museu Académico de Coimbra. Actualmente sou técnico superior da Universidade de Coimbra e Mestre de Cerimónias Adjunto no Protocolo da Universidade de Coimbra.

terça-feira, agosto 14, 2007

Uma Tertúlia com História em S. Miguel do Rio Torto



Normalmente, quando se fala em tertúlia, as pessoas mal informadas ou mesmo mal intencionadas, referem que é um local onde se junta um grupo de pessoas para petiscar e embebedar. No entanto, se formos ao étimo da palavra Tertúlia, esta advém das civilizações clássicas (Roma), de Tertuliano que se juntava para conversar com outros para discutir ideias, pelo que uma tertúlia no sentido lato do termo é um grupo de pessoas que se junta para conversar e discutir ideias várias, no entanto, se encontrarmos um grupo de pessoas mal informadas acerca deste étimo a conversar onde quer que seja e seja qual for o tema e lhes dissermos que estão numa tertúlia, mesmo ao dizermos a verdade, arriscamo-nos a ser insultados.
Deixando a etimologia vamos centrar-nos na tertúlia que nos interessa: a tertúlia de S. Miguel do Rio Torto que reúne todos os sábados numa casa à entrada de S. Miguel há cerca de 20 anos (há quem diga já tem mais idade …) sem interrupção.
É uma tertúlia onde comparece pessoal de S. Miguel do Rio Torto e não só, pois as pessoas que já lá foram e, em alguns casos continuam a ir, são de várias localidades, algumas de bem perto, outras nem por isso: houve e há tertulianos do Rossio, do Pego, do Tramagal, de Alferrarede, das Bicas, da Bemposta e de outros locais mais longíquos: Ponte de Sor, Ferreira do Zêzere, Lisboa, etc, sem esquecer que no mês de Agosto os nossos conterrâneos emigrados em França, Bélgica, etc, também nos fazem companhia.
A tertúlia, embora não tendo estatutos escritos, tem regras, que passo a citar:

- Na tertúlia não entram mulheres;
- Há um orador e quando o sino toca todos têm de se calar para o orador fazer o discurso;
- Na tertúlia ninguém é obrigado a beber, pois só o primeiro copo, o “obrigatório”, é que tem de ser bebido de penalti, a partir da daqui, mesmo se houver brindes cada qual só bebe se quiser e o que quiser (quem não quiser beber álcool pode beber àgua ou sumo), tudo isto para conta argumentar as teses erróneas de que quem vai para estas coisas “dá sempre em bebedeira”, o que não é verdade.
- Qualquer um pode fazer um brinde, bastando para isso bater o sino, gesto com o qual todos têm de se calar para o orador poder falar.
- Só se começa a comer quando o orador-mor der ordem para tal.
- As refeições, quando não são oferecidas por ninguém, a conta total é a dividir pelo total de pessoas que jantaram (convém sempre avisar para saber o número de pessoas que vêm comer). Normalmente é cinco pratos a cada um, revertendo o restante para a caixa da tertúlia.
- Quando alguém faz anos ou decide oferecer um jantar, quem ofereceu não paga nada para a caixa da tertúlia, os restantes pagarão uma multa de dois pratos para a caixa da tertúlia, de modo a suportar as despesas correntes: água, luz, detergentes, etc.
- A pessoa que vem pela primeira vez à tertúlia, deve vir a convite de um tertuliano. A partir daí pode aparecer sempre que quiser e passa a ser considerado tertuliano, podendo também convidar outras pessoas.

São estas as regras básicas da tertúlia que em tempos áureos já teve Fados e Guitarradas (altura em que eu cheguei a acompanhar alguns dos “fadistas” à viola) tanto que um violista/guitarrista/cantor chegou a fazer a letra de um fado para esta tertúlia que embora já não esteja actualizada (por exemplo a cerimónia da prenda que caiu em desuso há muito tempo ou a fonte que já não existe desde a requalificação da estrada S. Miguel/Arrifana,) conta tudo um pouco do que se passava/passa na tertúlia (passando pelo futebol: o autor da letra é Benfiquista) é assim:

O RETIRO

Retiro que tem tão má fama
E do qual vou falar
Não fica num beco d’ Alfama
Nem à beira mar

Fica ali bem perto da fonte
E num local bem distinto
Ali à entrada do monte
Onde sempre reina o tinto

E à tardinha ao sol por
Se vão juntando e então
Começam o seu labor
Com grande animação

Enquanto uns descascam batatas
Outros cozem feijão
Há os que enchem garrafas
E outros cortam o pão

E até que a comida coze
Vão-se ouvindo alguns rumores
Vai uma azeitona, um copo
E vão-se compondo as flores

Depois de todos sentados
Serve-se a comida
À mão, com faca ou com garfo
Lá vamos à vida

Depois vem o “obrigatório”
A que ninguém se pode negar
Não pode haver falatório
Enquanto o orador falar

E seja o Benfica que ganhe
Ou o Sporting que perca
O copo está sempre cheio
Como sentinela alerta

E quando a prenda aparece
Com palha ou ortigões
Cantam-se os parabéns
Ouvem-se as ovações

E é por tudo o que cantei
Incluindo estes fados
Quem o baptizou não sei
Retiro dos mal amados

Letra de Fernando Dias

Finalmente, resta referir que o autor destas linhas também é um tertuliano de há muito tempo e sempre que vem a S. Miguel do Rio Torto, ao Sábado o jantar é na tertúlia. Além do mais, uma tertúlia com cerca de 20 anos, já merecia aqui um artigo e começa a fazer parte da História de S. Miguel do Rio Torto!

Imagens gerais da tertúlia.

Nota: fotos do autor.

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