As Festas de S. Miguel do Rio Torto: Um Breve Estudo (1933-1965)
Em relação aos festejos anuais de S. Miguel do Rio Torto, na descrição que vamos fazer, fica apresentado de modo explícito como eram as festas anuais numa aldeia do Ribatejo, embora com características de transição da Beira para o Alentejo, passando pelo Ribatejo, ou seja, um pouco de mistura destas províncias.
A documentação que nos fornece informação acerca das festas anuais da aldeia, com programas mais ou menos elaborados (nem sempre uniformes e com muitas falhas de anos), tem as datas limite de 1933-1965. Sendo, portanto, neste período temporal que se vai centrar a apresentação, o que não quer dizer que em alguns casos não chegue à actualidade.
Antes de analisar a documentação disponível, houve aspectos das festas que vamos referir e que muitas vezes não se sabe o seu verdadeiro significado. Como tal, achámos pertinente referir algum desse vocabulário que aparecerá nos programas festivos, com base em Dicionários e Enciclopédias, então, as palavras são as seguintes:
ALVORADA – A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira refere que é a primeira manifestação de uma festa, a qual consiste geralmente em salvas de artilharia, rebentamento de foguetes, passeios com bandas de música.
À excepção das salvas de artilharia, consideramos a definição correcta, pois logo de manhã havia uma salva de foguetes a anunciar a festa, ao que, muitas vezes, se seguia um peditório pelas ruas da aldeia.
CAVALHADAS – Em ambas as fontes consultadas, as definições são quase idênticas, senão vejamos: no Grande Dicionário da Língua Portuguesa refere: torneio em que os concorrentes a cavalo obtinham prémios, tocando com paus ou canas em objectos suspensos de cordas. Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, refere que é divertimento em que os parceiros vão montados em cavalgaduras e que constitui um torneio popular.
No nosso entender, ambas as definições estão correctas, pois testemunhos orais referem que as cavalhadas consistia em ir em cima de um burro, de olhos vendados e, com um pau, tentar acertar em cântaros que estavam suspensos numa corda e cujo conteúdo podia ser um prémio bom (por exemplo um frango ou um pato), mas também podia estar no cântaro o que não se desejava, desde água, farinha, carvão ou outras coisas que não poderão ser referidas no blog…
FOGAÇAS – No Grande Dicionário da Língua Portuguesa refere bolo que se oferece à Igreja em festas populares e é vendido em leilão. Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira refere que é o bolo o presente que em festas se oferece à Igreja e depois se vende em leilão.
Em nosso entender, ambas as definições estão correctas, embora com uma ressalva, é que o dinheiro obtido do leilão era para a organização da festa e não para a Igreja (a não ser que fosse esta a organizadora).
No passo seguinte, iremos fazer uma breve análise da evolução das festas consoante o passar do tempo.
Notamos que há aspectos que persistem nos programas das festas e outros que vão desaparecendo com o tempo.
As cavalhadas mantiveram-se sempre, pois constam nos programas das festas de 1933, 1939, 1940, 1945, 1950 e 1965, embora já não existam actualmente, persistindo assim a dúvida de quando terão deixado de fazer parte das festas efectivamente.
As fogaças, que são referidas nas festas de 1933, 1939 e 1940. Já não são referidas posteriormente, o que nos leva a crer que terão deixado de existir nas festas, tal como hoje essas mesmas fogaças já não existem.
Contudo, há uma cerimónia apenas referida nos festejos da década de trinta do século passado, que é o cerimonial de inauguração da luz eléctrica (vem nos programas das festas de 1933 3 1939), que consiste na inauguração da luz eléctrica no recinto das festas por parte de quem a forneceu que, por norma, eram as pessoas que tinham mais posses na terra.
Nota-se que as festas eram essencialmente com Bandas Filarmónicas, Ranchos Folclóricos, fogo de artifício, entre outras coisas. No entanto, no programa das festas de 1965, há que destacar que foi uma festa em que estiveram presentes artistas de relevo nacional, como é o caso do fadista Fernando Farinha (que veio acompanhado à Guitarra por FONTES ROCHA), além de ter vindo também a já consagrada Fernanda Baptista Garcia. Porém, os testemunhos orais referem que veio cantar a S. Miguel o Carlos do Carmo e que a presença assídua nas festas era o João Maria Tudela.
Também a quermesse se manteve (o local onde eram sorteados os objectos oferecidos no peditório), embora, permitam-me discordar com o método com que actualmente funciona a quermesse para sortear os objectos: cestos com muitos papelinhos que custam aí uns dez cêntimos e que a maior parte não têm qualquer prémio. Há também os que “sai sempre” mais caros. Em nosso entender e para “dar vida” à quermesse é o método que se utilizava que é o melhor e que foram deixando de utilizar: consistia num aro de uma roda de biciclete que tinha uma borracha e que era posto a rodar (tinha de dar pelo menos uma volta), parando num número, saindo o prémio a quem tivesse esse número na rifa! Este era, quanto a mim, o melhor método de sorteio das ofertas na quermesse, como até há uns tempos se fez!
Nesta análise, também há que destacar o facto de na época referenciada as festas serem sempre em Setembro, ou no final, ou no início, mas eram sempre em Setembro, o que não corresponde à actualidade em que são em finais de Julho, início de Agosto. Talvez a explicação para este facto, seja que grande parte da população de S. Miguel andava a trabalhar nas “carvoarias”, pelo quem andavam sempre por fora e só vinham a S. Miguel de tempos a tempos, por isso, talvez Setembro fosse a época em que não estavam a trabalhar nas carvoarias, não esquecendo também o facto de que poderiam estar na aldeia em Setembro por coincidir com as vindimas e S. Miguel é uma terra que sempre produziu bons vinhos. Desta, forma, a festa seria o ponto de encontro de todos os conterrâneos, talvez o facto de actualmente ser em finais de Julho, princípios de Agosto, se prenda com o facto dos naturais da terra que foram viver para outras cidades ou países estarem de férias nessa altura cá na terra natal, sendo, uma vez mais, o ponto de encontro.
Outro facto importante a citar é que no período que analisámos se pagava bilhete para entrar no recinto da festa, quer dizer, bilhete e não só, pois quem queria uma mesa tinha de comprar uma mesa, quem queria uma cadeira para se sentar tinha de comprar uma cadeira, etc., pois era necessário obter bom lucro para pagar aos artistas que vinham actuar às festas. Actualmente, já ninguém paga nada pelas mesas, nem pelas cadeiras, nem pela entrada. Pois agora está uma caixa à entrada do recinto e cada qual dá aquilo que entender, o que naturalmente deve chegar para pagar aos artistas que são, normalmente, a prata da casa ou os conjuntos da região.
Após esta imensa caracterização, seguem-se os programas das festas de S. Miguel do Rio Torto durante a época caracterizada.
FESTEJOS EM S. MIGUEL DO RIO TORTO
Realizam-se em S. Miguel do Rio Torto, nos dias 23, 24, 25 e 26 [de Setembro], os grandiosos festejos em honra de Nossa Sr. ª da Conceição, com o seguinte programa:
DIA 23
Às 6 horas – Alvorada pela banda da Sociedade Musical Arguense.
Às 11 horas – Missa solene, cantada por um grupo coral de meninas, sermão e procissão para a Capela de Nossa Sr. ª da Conceição.
Às 19 horas – Abertura da Quermesse, Arraial e concertos musicaes.
Às 20 horas – Inauguração da luz eléctrica, gentilmente cedida pelo importante industrial e proprietário Sr. José Alves Arega Júnior, nosso prezado conterrâneo.
Às 23 horas – O mais moderno e maravilhoso fogo de artifício habilmente confecionado pelo pirotécnico da Sertã, Sr. João Nunes da Silva.
DIA 24
Às 6 horas – Alvorada pelas afamadas Bandas de Argea e Lapas.
Às 9 horas – Reunião de fogaças e condução das mesmas para a capela.
Às 11 horas – Na capela, missa solene, cantada pelo supradito grupo coral, sermão e procissão pelas principais ruas da freguesia.
Às 18 horas – Abertura da quermesse, concertos musicais pelas duas bandas citadas, seguindo-se arraial e queima de um deslumbrante fogo de artifício habilmente confeccionado pelo pirotécnico de Mouriscas Sr. Francisco Marques Amante.
DIA 25
Às 6 horas – Alvorada segundo os dia anteriores.
Às 10 horas – Missa e procissão da Capela de Nossa Sr. ª da Conceição para a Igreja Matriz.
Às 14 horas – Corrida de bicicletas, de sacos, cântaros e cavalhadas. São distribuídos valiosíssimos prémios.
Às 18 horas – Abertura da quermesse, leilão de prendas e concertos musicais.
Às 23 horas – Queimar-se-á um deslumbrante fogo de artifício habilmente confeccionado pelos pirotécnicos de Mouriscas e Sertã.
DIA 26
Às 6 horas – Alvorada.
Às 14 horas – Corrida Pedestre, organizada pelo Sr. Firmino Luís Lopes.
Às 18 horas – Abertura da quermesse, bailes campestres, concertos musicais e fogo aéreo.
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de Setembro de 1933
1939
FESTEJOS
Estão decorrendo com grande animação e alegria as festas em benefício da Casa do Povo desta freguesia que ontem se iniciaram.
O Programa de hoje será:
Pelas 6 horas, alvorada pelas Bandas das Casas do Povo de Olaia (Lamarosa) e S. Miguel do Rio Torto; às 8, peditório na freguesia pela comissão que é acompanhada pelas duas bandas; às 12, cortejo das fogaças que percorrerá as ruas da freguesia e distribuição de merendas às crianças, seguindo-se a venda da flor; às 20, início do arraial abrilhantado pelas duas bandas, sendo queimado um magnífico fogo.
Amanhã, pelas 6 horas alvorada; às 15, gincana que constará de corrida de sacos, cântaros e cavalhadas, organizando-se também uma corrida negativa de bicicletas e numerosas suprezas; às 20, reabertura da quermesse e continuação do arraial.
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de 24 de Setembro de 1939.
1940
S. MIGUEL DO RIO TORTO – FESTEJOS
Conforme já anunciados, realizam-se nesta freguesia nos próximos dias 21, 22 e 23 de Setembro de 1940, grandiosos festivais, em benefício da Casa do Povo desta localidade.
Damos, a seguir, nota do programa dos festejos:
DIA 21
Às 7 horas – Alvorada, com atordoador fogo do afamado pirotécnico, Sr. Manuel Marques Amante, de Mouriscas, com o acompanhamento da Banda desta Casa do Povo.
Às 9 horas – Peditório pelas ruas da freguesia.
Às 19 horas – Chegada da excelente Banda do Grémio Musical Tramagalense, que percorrerá as ruas da freguesia dando as boas festas.
Às 20 horas – Início do Arraial com inauguração da luz eléctrica, oferecida generosamente pelos Srs Gaio e Irmão, que mais uma vez contribuem para o brilhantismo destes festejos, abertura da quermesse e descantes populares. Concerto pela Banda do Grémio Musical Tramagalente que gentilmente presta o seu desinteressado concurso, sob a competente regência do Sr. Amadeu Horta.
Às 24 horas – Queimar-se-á um lindo e vistoso fogo de artifício, preso e do ar, habilmente confeccionado pelo referido pirotécnico.
DIA 22
Às 7 horas – Alvorada pela Banda desta Casa do Povo, queimando-se uma formidável salva de morteiros e girândolas de foguetes, do hábil pirotécnico do dia anterior.
Às 9 horas – Peditório pelas ruas da freguesia com acompanhamento da nossa banda.
Às 13 horas – Reunião das fogaças e venda da flor.
Às 14 horas – Formar-se-á o cortejo das fogaças e venda da flor.
Às 19 horas – Chegada da afamada Banda da Casa do Povo de Rossio ao Sul do Tejo que valiosamente nos presta o seu valioso concurso
Às 20 horas – Reabertura da quermesse, continuação do arraial abrilhantado pelas Bandas da Casa do Povo de Rossio ao Sul do Tejo e desta localidade, respectivamente sob a regência dos Srs António Alexandre e João Horácio Mineiro.
Às 24 horas – Será queimado um deslumbrante fogo de artifício, preso e do ar, confecionado a capricho pelos distintos pirotécnicos Sr. Manuel Marques Amante, de Mouriscas e Daniel Rodrigues Delgado, do Pego.
DIA 25
Às 7 horas – Alvorada com fogo dos pirotécnicos do dia anterior e com acompanhamento da banda local, queimando-se muitas girândolas de foguetes e morteiros, anunciadores do último dia destes festejos.
Às 12 horas – Bodo às crianças na sede da Casa do Povo.
Às 15 horas – Haverá gincana que constará de corrida de sacos e de cântaros, tradicionais e formidáveis cavalhadas organizadas pelo Sr. João Rodrigues Lopes. Haverá também uma corrida pedestre por um percurso a designar, a cargo do Sr. João Horácio Mineiro.
Às 20 horas – Reabertura da quermesse, continuação do arraial, concerto pela aprecatada Tuna Cruxificiense, que executará os melhores números do seu vasto escolhido repertório.
Às 24 horas – Queima de um vistoso fogo de artifício que virá completar o grande sucesso destas festas.
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de 15 de Setembro de 1940.
1945
GRANDIOSOS FESTEJOS EM BENEFÍCIO DA CASA DO POVO DE S. MIGUEL DO RIO TORTO
Tiveram o seu início ontem, prosseguindo hoje e amanhã os grandiosos festejos nesta localidade, os quais constam de um arraial, quermesse, dancing, bufete, fogo de artifício, preso e do ar, cavalhadas, corridas negativas de biciclete, de saco, pedestres, etc.
Os festejos serão abrilhantados pelas Bandas de Música desta Casa do Povo, pela Casa do Povo de Rossio ao Sul do Tejo e pela Filarmónica União Sardoalense, actuando no dancing as suas excelentes orquestras “Florindo Bernardo” desta Casa do Povo e “Diabos do Ritmo” de Rossio ao Sul do Tejo. Como nos anos anteriores, é de esperar grande afluência de forasteiros. Todos aos festejos de S. Miguel!
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de 30 de Setembro de 1945.
1950
S. MIGUEL DO RIO TORTO
Organizados pela Casa do Povo, realizam-se nos próximos dias 23, 24 e 25 do corrente na risonha freguesia de S. Miguel do Rio Torto, grandiosos festejos, para os quais foi escolhido um magnífico programa de que constam concertos musicais pelas Filarmónicas do Tramagal, Abrantes e S. Miguel do Rio Torto, dancing abrilhantado pelo conjunto musical “Os Lusos” de Lisboa, um dos melhores do seu género, aparelhagem sonora e ainda uma das melhores orquestras do nosso concelho.
Exibição dos Ranchos Folclóricos de Tramagal e Abrantes, quermesse, fogo de artifício, preso e do ar, cavalhadas, corridas de bicicletas e grandes festividades religiosas em honra de N. ª Sr. ª da Conceição e S. Miguel Arcanjo.
É pois de esperar grande assistência a estes deslumbrantes festejos.
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de 17 de Setembro de 1950.
1955
S. MIGUEL DO RIO TORTO – FESTEJOS
Decorreram com o maior brilhantismo os festejos realizados nos dias 24, 25 e 26 de Setembro findo em S. Miguel do Rio Torto, sob o patrocínio e a favor da Casa do Povo local.
Do bem elaborado programa faziam parte alguns números bastante interessantes, parecendo-nos, no entanto, justo destacar a exibição do Rancho Folclórico dos Campinos da Azinhaga, organização da vizinha Casa do Povo de Azinhaga que constitui mais um grande triunfo deste excelente conjunto folclórico.
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de 2 de Outubro de 1955.
1965
S. MIGUEL DO RIO TORTO – TRADICIONAIS FESTEJOS
Sob o patrocínio da Junta de Freguesia e Casa do Povo de S. Miguel do Rio Torto, vão realizar-se os tradicionais festejos.
O programa, muito bem elaborado, conta com a presença dos vários artistas da Rádio e TV, é o seguinte:
DIA 4
A Sociedade de Instrução Musical de Abrantes acompanhará o peditório. À noite no dancing estará o conjunto “Aliança”. Pelas 23 horas há Noite de Fado com o castiço fadista nacional Fernando Farinha, Mirita Félix e Amélia Maria, com acompanhamento à viola e guitarra por Mário Silva e Fontes Rocha.
DIA 5
Às 20 horas, concerto pela Banda de Abrantes, no dancing estará também o conjunto “Aliança”.
Às 23 horas haverá um programa de variedades em que colaboram Artur Garcia, Fernanda Baptista, Beatriz Baltazar e o arcordeonista Carlos Areias.
DIA 6
Às 15 horas, tradicionais cavalhadas e outras diversões.
Às 21 horas, continuação do Arraial, estando no dancing a Orquestra do Mónaco de Lisboa.
Às 23 horas, variedades com Suzi Paula, Maria Odete e Francisco Jorge.
A locução e apresentação dos espectáculos estará a cargo de Hernâni Muñoz.
NOTA: Informação retirada do Correio de Abrantes de 29 de Agosto de 1965.
BIBLIOGRAFIA
- Correio de Abrantes dos anos de 1933, 1939, 1940, 1945, 1950, 1955 e 1965.
- GRANDE DICIONÁRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA. Porto: Porto Editora, 2004.
- GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. [S.L.]: [S.N.], [S. D.].
- GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Edições Enciclopédia, [S. D.].
AGRADECIMENTOS
- Biblioteca Municipal António Botto (Abrantes);
- Biblioteca Municipal de Coimbra;
- Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.
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